Existem alguns relatos, desde o início do século XIX, sobre o uso de cannabis por médicos europeus, especialmente sobre o uso de sementes ou medicamentos homeopáticos. No entanto, a introdução efetiva da cannabis na medicina ocidental ocorreu em meados do século XIX, através das obras de Willian B. O’Shaughnessy, médico irlandês, e do livro de Jacques-Joseph Moreau, psiquiatra francês.
O’Shaughnessy serviu na Índia com os britânicos por vários anos e fez seu primeiro contato com o uso de maconha naquele país. Ele estudou a literatura sobre a planta, descreveu muitas preparações populares, avaliou sua toxicidade em animais e, posteriormente, testou seu efeito em pacientes com diferentes patologias. Em 1839, ele publicou o trabalho: ‘Sobre os preparativos do cânhamo indiano, ou gunjah’, que, no primeiro parágrafo, estabelece um panorama do uso das plantas. Em seu livro, descreve várias experiências humanas bem-sucedidas usando preparações de maconha para reumatismo, convulsões e principalmente para espasmos musculares de tétano e raiva.
Moreau era médico assistente perto de Paris. Durante suas viagens, ele observou que o uso de haxixe (resina de cannabis) era muito comum entre os árabes e ficou impressionado com os efeitos surpreendentes da substância. Por volta de 1840, Moreau decidiu experimentar, sistematicamente, diferentes preparações de maconha; primeiro em si mesmo e depois em seus alunos. Como resultado, em 1845 ele publicou o livro ‘Du Hachisch et de l’Alienation Mentale: Etudes Psychologiques’, com uma ótima descrição sobre os efeitos agudos da cannabis para a época.
As contribuições de O’Shaughnessy e Moreau tiveram um grande impacto na medicina ocidental, principalmente devido à escassez de opções terapêuticas para doenças infecciosas como raiva, cólera e tétano. O uso medicinal se espalhou na Inglaterra e na França, atingindo toda a Europa e depois a América do Norte.
Em 1860, a primeira conferência clínica sobre maconha ocorreu nos Estados Unidos, organizada pela Ohio State Medical Society. Na segunda metade do século XIX, mais de 100 artigos científicos foram publicados na Europa e nos Estados Unidos sobre o valor terapêutico da cannabis. O clímax do uso medicinal da cannabis pela medicina ocidental ocorreu no final do século XIX e início do século XX. Vários laboratórios comercializavam extratos ou tinturas de cannabis, como Merck (Alemanha), Burroughs-Wellcome (Inglaterra) e Parke-Davis (Estados Unidos)
No início do século XX, às indicações médicas da cannabis foram resumidas na “Enciclopédia analítica de medicina prática de Sajous (1924) em três áreas:
- Sedativo ou hipnótico: em insônia, insônia senil, melancolia, mania, delirium tremens, coréia, tétano, raiva, febre do feno, bronquite, tuberculose pulmonar, tosse, paralisia agitana, bócio exoftálmico, espasmo da bexiga e gonorréia.
- Analgésico: em dores de cabeça, enxaqueca, fadiga ocular, menopausa, tumores cerebrais, tic douloureux, neuralgia, úlcera gástrica, indigestão, abas, neurite múltipla, dor não devida a lesões, distúrbios uterinos, dismenorreia, inflamação crônica, menorragia, aborto iminente, hemorragia pós-parto, reumatismo agudo, eczema, prurido senil, formigamento, formigamento e dormência da gota e alívio da dor dentária.
Outros usos: para melhorar o apetite e digestão,, neuroses gástricas, dispepsia, diarréia, disenteria, cólera, nefrite, hematúria, diabetes mellitus, palpitações cardíacas, vertigem, atonia sexual na mulher, e impotência no homem.